5 de abr. de 2009

INTRODUÇÃO





Segue abaixo a versão integral da autobiografia de Kaspar Hauser. O texto continua à espera de uma edição brasileira. Fato curioso é o uso corrente (inclusive acadêmico) do filme O Enigma de Kaspar Hauser de W. Herzog como base de análise do caso. Como tal, negligencia-se as diferenças fundamentais entre o relato do próprio Hauser e o roteiro utilizado no filme. 


Trata-se da segunda versão da autobiografia de Kaspar Hauser, feita em 1829, com a tradução feita do livro em francês (e não do orginal alemão). Os desajustes sintáticos e demais erros foram mantidos (tentativa de) de acordo com a versão Kaspar Hauser: écrits de et sur Kaspar Hauser da editora Christian Bourgois.


contato: eltonsp@hotmail.com


OBS: se você não está visualizando a autobiografia abaixo, clique aqui


SOBRE A VIDA DE KASPAR HAUSER – ESCRITO POR ELE MESMO


Em fevereiro de 1829, foi produzida uma nova versão da autobiografia de Kaspar Hauser, que Stanhope publica em seus Materiais (1835). “Comunicado ao barão Stanhope pelo Senhor presidente von Feuerbach. Em fidelidade à autobiografia”. As Notificações de Daumer (1831) reproduzem igualmente o texto, precedido do comentário preliminar: “De um terceiro ensaio (de uma autobiografia, K.H.), de fevereiro de 1829, na qual vemos uma maneira de escrever um tanto mais culta, porém ainda muito natural e ingênua, o que segue é um fragmento” As divergências entre as duas restituições são desconsideráveis.

A prisão, onde eu vivi até a minha libertação, tinha um pouco mais de seis a sete pés de comprimento, quatro de largura e cinco de altura. O chão me parecia de terra batida, do lado atrás duas janelinhas eram cobertas com madeira, que pareciam totalmente pretas. Sobre o chão ficava a palha, onde eu costumava ficar sentado e dormir. Minhas pernas ficavam cobertas a partir dos joelhos com um cobertor. Sobre o lado esquerdo do meu abrigo tinha um buraco no chão, onde havia um pote; havia também uma tampa em cima dele, que eu tinha de tirar, e que eu sempre tampava de novo. As roupas que eu vestia na prisão eram uma camisa, uma calça curta, sendo que nelas faltavam a parte de trás, para que eu pudesse fazer minhas necessidades, que eu não podia tirar as calças. Os suspensórios eu tinha por cima da pele. A camisa ficava por cima. Minha comida não era nada além de água e pão; da água eu sentia falta de vez em quando; pão tinha sempre bastante; eu comia um pouco de pão, porque eu não tinha movimentos, eu não podia andar, e nem sabia que podia me levantar, porque ninguém tinha me ensinado a andar; nunca me veio a idéia de querer me levantar. Eu tinha dois cavalos de madeira e um cachorro, com eles eu sempre me ocupava; eu tinha fitas de cor vermelha e azul, com as quais eu enfeitava os cavalos e o cachorro, mas de vez em quando eles caiam, porque eu não podia amarrá-los. Quando eu acordava, o pedaço de pão estava do meu lado, e uma canequinha de água. Primeiro eu bebia água para diminuir a sede, depois comia pão, depois eu pegava os cavalos, tirava todas as fitas, e enfeitava de novo, e continuava assim mais um pouco. Depois eu comia pão, eu queria beber também, mas não tinha mais dentro, então eu pegava o cachorro, e queria enfeitar ele, como os cavalos, mas eu não conseguia fazer até o fim, porque minha boca ficava seca demais, eu pegava várias vezes a canequinha na mão e ficava com ela um tempão na boca, mas a água nunca que saia, eu abaixava ela sempre, esperando um pouco, se uma água não vinha de repente, porque eu não sabia que a água e o pão eram trazidos para mim; eu não tinha a menor idéia que fora de mim poderia ter mais alguém – Eu nunca vi um humano, nem nunca escutei um deles; quando eu esperava um pouco e nenhuma água aparecia, eu me deitava de costas e dormia. Eu acordava de novo, meu primeiro gesto era de procurar pela água, e cada vez que eu acordava tinha água na canequinha, e um pão aparecia também. A água quase sempre eu bebia ela inteira, eu me sentia muito bem, eu pegava os cavalos e refazia exatamente de novo como eu contei. Geralmente eu achava a água boa de verdade, mas de vez em quando ela não era tão boa, e quando eu bebia, eu perdia todo o ânimo, não comia mais, e não brincava mais, mas adormecia. Quando eu acordava, fazia cada vez mais claridade que antes; eu nunca tinha visto uma claridade do dia como aquela presente. Até que pela primeira vez o homem entrou na minha casa, ele colocou uma cadeira bem baixa na minha frente, um pedaço de papel e um lápis em cima, depois ele pegou minha mão, me deu o lápis na mão, me fechou os dedos e me mostrou como escrever alguma coisa. Ele fez isso várias vezes, até que eu pudesse imitar aquilo. Ele me mostrou de sete a oito vezes; aquilo me dava bastante prazer porque aparecia preto e branco; ele deixava minha mão solta, me deixava escrever sozinho, eu continuava a escrever, e fazia exatamente como ele tinha me mostrado, e repetia aquilo mais vezes. Quando o homem soltava a minha mão eu não sossegava de jeito nenhum e continuava a escrever, não me vinha nenhuma idéia do porquê minha mão perdia a firmeza. Durante esse tempo, o homem ficava atrás de mim observando se eu podia imitá-lo ou não; eu não escutava a saída, nem a chegada dele. Eu ficava escrevendo assim por um tempo e via logo depois que as minhas letras não pareciam com aquelas feitas; mas eu não parava até que elas ficassem parecidas. eu queria beber de novo, porque com a concentração eu não reparava na sede; comia um pouco de pão, pegava os cavalos, enfeitava eles como eu contei ali em cima. Mas eu não podia mais enfeitá-los tão facilmente como antes, porque a cadeira me impedia, que estava colocada na frente e por cima das minhas pernas, e me causava bem mais esforço, porque os cavalos estavam do lado, e eu não tinha tanta compreensão, para que pudesse levantar a cadeira ou colocar os cavalos na cadeira. eu ficava com bem mais sede, e não tinha mais água, daí eu dormia. Logo que eu acordava a cadeira estava colocada de novo em cima das pernas; meu primeiro gesto continuava sendo o de pegar a água; depois eu comia pão, depois eu escrevia um pouco, pegava os cavalos e o cachorro, quando eu terminava eu bebia o resto da minha água, comia um pouco de pão. Eu repetia isso.

Se eu acordava com o dia, eu não posso afirmar isso, porque eu não tinha noção de dia e de noite. Eu não consigo dizer também quanto tempo eu dormia, de acordo com a minha estimativa atual bastante tempo, minha brincadeira durava bastante, o tanto que eu posso julgar atualmente, quatro horas ou mais. Quando o homem me pegava para escrever, ele não dizia nem uma palavra, mas pegava a minha mão e mostrava como escrever; quando ele pegava a minha mão eu não tinha a idéia de virar a cabeça para ver o homem; isso porque eu não sabia que existia uma figura assim como eu sou uma. O homem veio pela segunda vez, carrega um pequeno livro, coloca ele aberto na minha frente em cima da cadeira, pegou minha mão e começou a falar, ele apontou para os cavalos e disse suavemente: cavalo, várias vezes; até que eu entendesse aquilo eu escutava muitas vezes, eu escutava sempre a mesma coisa; me veio a idéia que eu devia fazer também daquele jeito, eu disse também as mesmas palavras, pegou uma fita da mão esquerda e disse mais uma vez cavalo, porque eu não podia pegar com a mão direita, que o homem agarrava; então ele disse várias vezessegurar isso” e colocou minha mão sobre o livrinho e de repente depois disso no cavalo e balançou ele de um lado pro outro. Isso me deu muito prazer, ele disse fazendo: repetir desse jeito, você ganha um cavalo bonito assim do pai. Essas palavras ele repetiu várias vezes, eu não repetia e as escutava por muito tempo, e como escutava sempre as mesmas palavras, comecei a repetir; ele disse talvez sete ou oito vezes, então eu pude repetir com um pouco mais de clareza, como eu podia repetir com mais clareza, ele apontou mais uma vez para os cavalos, balançou novamente de para e disse: “aprender isso”, “pronunciar o cavalo, você vai ter o direito de fazer assim também”. Nesse momento minha mão estava livre e o livrinho estava parado em cima da cadeira; eu olhava sempre para o livrinho porque ele me dava bastante prazer porque tinha exatamente a aparência do meu papel que eu tinha escrito; eu disse para ele várias vezes por conta própria, eu acabei de beber meu pouco de água, comi um pouco de pão, embalei em seguida os cavalos primeiro bem lentamente e sem barulho, como o homem tinha me mostrado; disse também as palavras aos cavalos; fazendo isso eu fiquei com muita sede, cansado e sonolento e quando eu não tinha mais água eu me deitei no chão e dormi. Quando eu acordei o meu livrinho continuava sobre a cadeira. Eu não vi ele antes de ter bebido água; eu escrevi, enfeitei os cavalos e o cachorro, em seguida eu passei a mão pelo livrinho, e eu disse as palavras que o homem havia me ensinado, e apontava ao mesmo tempo para os cavalos, e disse também estas palavrasaprender isso, receber seu cavalo bonito do pai eu apontava as páginas do livrinho e repetia mais uma vez as palavras, depois do que eu passei de uma a outra, sentia de novo sede, acabei de beber minha água, comi um pouco de pão, disse essas palavras mais algumas vezes, e comecei a embalar (os cavalos) pra e pra ; mas balançava tão forte, que aquilo machucou a mim mesmo. o homem veio com um bastão, me bateu no braço, isso que me machucou muito e eu chorava; eu fiquei daí bem quieto e não balancei mais os cavalos. Quando eu chorava muito, queria beber água, eu não tinha mais água, comi um pouco do pão e dormi. Quando eu acordei eu sentei e bebi minha água, depois coloquei bem calmamente as fitas nos cavalos, como o homem tinha me mostrado, e disse as palavras aprendidas aos cavalos, escrevi de novo, depois do que pronunciei também essas mesmas palavras ao livro, peguei a canequinha, acabei de beber meu resto de água, eu brinquei ainda mais um pouco, fiquei bem cansado e sonolento e dormi. Eu devo ter ainda acordado várias vezes, talvez mais quatro ou cinco vezes, até que o homem me carregou. Na noite em que o homem veio me buscar eu dormia muito bem, acordei e estava vestido, menos com as botas, ele me calçou, me colocou um chapéu, me ergueu e me apoiou na parede, pegou meus dois braços e os colocou ao redor do seu pescoço. Quando ele me carregou para fora da prisão ele teve de se abaixar, e precisou subir uma colina, talvez fosse uma escada, depois veio um pouco de caminhada, eu sentia grandes dores e comecei a chorar; veio uma montanha grande, quando eu chegava ao fim de um caminho mais alto o homem disse: você deve parar de chorar agora mesmo, ou não vai ganhar o cavalo. Eu obedeci ele, ele me carregou por mais um tanto, eu dormi. Como eu acordei, eu estava deitado no chão, com a cara virada para a terra. Eu mexi a cabeça, talvez o homem viu que eu estava acordado, me pegou, me colocou debaixo dos braços e começou a me ensinar a andar. E como eu devia começar a andar, ele colocou meus pés em cima dos dele para me fazer saber como eu deveria fazer. Eu tive que avançar com alguns passos, eu comecei a chorar, eu sentia uma dor muito forte nos pés, ele disse “você tem que parar de chorar agora mesmo, senão não vai ganhar o cavaloeu disse “cavalo”, querendo dizer com isso que eu queria voltar bem rápido para minha casa e para os meus cavalos, o homem me disse: “você tem que aprender bem a maneira de andar, você deve se tornar um cavaleiro assim como foi seu pai”. Ele me atormentou de novo com a maneira de andar, eu comecei a chorar porque meus pés doíam muito. Ele disse de novo as palavras: “você tem que parar de chorar agora mesmo, senão etc.” Antes quando ele dizia essas palavras, eu parava sempre bem rápido de chorar; mas dessa vez, porque meus pés doíam demais; ele me deitou no chão com o rosto virado para baixo, e eu tive que ficar deitado um pouco até dormir. Como eu acordei de novo, ele me levantou e disse: eu deveria aprender a andar direito, daí você vai ganhar um cavalo bem bonito, ele me treinou de novo do mesmo jeito da primeira vez. Depois que o homem começava a me falar durante o caminho, ele me colocou várias vezes no chão, porque eu ficava cansado sempre bem rápido. Daí ele começou a dizer:

Eu gostaria de me tornar um cavaleiro assim como foi meu pai”.

Essas palavras ele me repetia muitas vezes: até que eu pudesse repetir a mesma coisa bem claramente.

Eu comecei a chorar, porque os pés e a cabeça, mas em especial os olhos, me doiam terrivelmente, eu disse: “cavalo”, pelo que eu queria indicar que deviam me levar até em casa com os meus cavalos. O homem entendeu o que eu queria dizer e disse: “logo logo você vai ganhar um cavalo bonito do pai”; eu comecei a chorar, ele me largou, eu continuei a chorar ainda mais; ele disse: você tem que parar de chorar agora mesmo, senão não vai ganhar cavalo bonito, ele me passou alguma coisa de doce na cara, e eu parei de chorar, e dormi. Quando eu acordei de novo, ele me levantou, me treinou, e eu ainda não podia mover os pés sozinho. Quando ele tinha andado uns vinte passos ou mais, eu comecei a chorar de novo, e disse: “eu gostaria de me tornar um cavaleiro assim como foi meu pai”. o homem disse: “se você não parar de chorar, não vai ganhar cavalo”. Então eu parei por um tempo, porque eu me disse que agora eu voltaria para casa e os cavalos, eu acho que isso não durou nem seis passos e eu voltei a chorar de novo; ele me deitou e cada vez que ele me deixava descansar eu dormia de cansaço. Eu acordei, ele me levantou e me treinou, ele dizia as palavras: “eu gostaria de me tornar um cavaleiro assim como foi meu pai”, de novo várias vezes. Nós andamos talvez sete a oito passos e começou a chover, eu fiquei molhado, comecei a sentir um frio bem forte; eu chorava; porque sentia cada vez mais sofrimento; ele me deitou no chão com as roupas molhadas, eu sentia muito frio, não podia dormir, eu chorei mais um pouco, depois ele passou mais uma vez alguma coisa de doce na cara, e eu dormi sentindo um sofrimento enorme. Assim que acordei de novo, as maiores dores haviam passado, ele me levantou, me treinou, eu tinha bastante noção da maneira de andar para poder levantar e abaixar os pés por conta própria. Então o homem disse que eu precisava me lembrar do jeito de andar você ganha um cavalo bem bonito do seu pai”, e disse assim essas palavras: “você deve também ficar olhando pro chão”, e me inclinava sempre a cabeça pro chão e dizia “se você puder realmente fazer bem assim, você ganha o cavalo”. Mesmo sem dizer isso eu nunca olhava para frente, porque os meus olhos me davam muita dor, ele não tinha a necessidade nenhuma de dizer aquilo, mas eu olhava cada vez mais pro chão. Eu comecei a chorar, ele me deitou de novo de bruços, eu continuava a chorar mais ainda; ele me passou alguma coisa doce na cara, eu parei de chorar, e dormi. Quando eu acordei de novo, eu disse “cavalo”, ele me levantou e me treinou, eu disse mais uma vez essas palavras que acabei de dizer, ele devia me levar para casa com os meus cavalos e não me fazer mais mal. Eu fiz talvez trinta passos, até começar a chorar, eu tinha cada vez mais e mais dores pelo corpo, especialmente nos olhos, na cabeça e nos pés, então o homem disse suas palavras de sempre. eu parava antes de mais nada porque sentia muita saudade dos meus cavalos. Ele me conduziu de novo mais um pedaço de caminho, eu voltei a chorar e disse as minhas palavras. Sobre o que o homem disse “agora você está quase chegando em casa, pros seus cavaloseu disse também essas mesmas palavras, ele me deitou e eu dormi. Acordando eu disse “cavalo casa”, pelo que eu queria dizer: meus pés estão doendo demais, queria me levar para casa e pros meus cavalos, e pare de me fazer mal. Sobre o que ele me deitou no chão e disse estas palavras: “agora você vai ganhar cavalo, mas você tem que parar de chorar”, com isso eu dormi. Eu acordei, ele me levantou e me treinou e eu disse “eu cavalo casa”, eu queria dizer que eu não podia mais fazer aquilo com os meus pés, mas ele me treinou mesmo assim com suas ameaças de sempre. Ele me levou ainda para mais longe, eu sofria cada vez mais. Em seguida ficou noite de repente, eu não podia me lembrar que estava estendido no chão, mas quando ficou claro de novo eu estava deitado no chão, eu disse: “cavalo casa”, com o que eu queria dizer: por que os olhos e a cabeça doem tanto, e continuo sem ganhar meu cavalo. Ele me levantou e me deu água, eu realmente bebi muito e aquilo me refrescou totalmente; eu estava sentindo sede antes mas não podia pedir água, porque eu não sabia que o homem podia me dar água. Como eu bebi água, meus sofrimentos ficaram bem mais leves. Ele me treinou de novo, eu podia andar um pouco mais rápido, se bem que na minha opinião aquilo ia tão devagar quanto no começo, mas para o homem tínhamos que continuar mesmo que devagar, porque ele sempre colocava os pés para frente. Quando eu andei um pouco, veio de novo muita dor, eu comecei a chorar e disse “cavalo casa”. Ele me consolou: “agora você está chegando na casa do seu pai”, eu disse: “cavalo casa”. Ele me deitou no chão, mas eu não pude dormir logo em seguida e chorei um pouco e disse: “cavalo casa”, pelo o que eu queria dizer por que então meus olhos continuavam me doendo tanto, com essas palavras e outras eu dormi finalmente. Quando eu acordei de novo, ele me levantou e me levou mais longe ainda. Começou ficar um pouco melhor para andar, na minha opinião, porque o homem não me apertava mais com tanta força, e eu não sentia mais tanta dor nos braços, e o homem disse: “você tem que aprender a andar melhor ainda”; ele disse mais uma vez as palavras: “você vai ganhar o cavalo bonito; porque você sabe andar bem”, e ao mesmo tempo ele colocou para frente meus pés com os dele e desse jeito ele me fez entender. Eu acho que ele começou a me deixar andar um pouco mais livremente para descobrir se eu podia andar sozinho; mas eu acho que caí, porque eu não podia levar os pés para frente, e dos dois lados eu senti uma dor brusca, que veio provavelmente do homem que me segurou bem rápido enquanto eu caia. Eu comecei a chorar, ele me deitou e disse suas ameaças, eu parei e dormi finalmente. Quando eu acordei, minha primeira palavra foi: “cavalo casa, eu gostaria de me tornar um cavaleiro assim como foi meu pai.” Ele me levantou, me levou mais longe, eu acho que a caminhada deve ter sido bem melhor, porque de vez em quando eu não sentia mais nenhuma dor debaixo dos dois braços; eu tive que andar um tempo até que começou a chover de novo, daí eu fiquei todo ensopado e sofri bastante com o frio. Eu comecei a chorar e disse várias vezes em seguida: “tu t’en fait saucer”[1], eu comecei a repetir isso: querendo dizer: você me faz muito mal. Ele me estendeu no chão, e eu não pude dormir logo em seguida, porque as roupas estavam todas molhadas, e eu sentia várias dores, ele me passou alguma coisa de doce na cara, e enfim eu dormi mesmo assim. Como eu acordei de novo, ele me levantou, me treinou, eu sentia ainda várias dores, porque eu estava todo ensopado, eu tinha também muito frio. Ele me dizia sempre suas palavras; eu não podia repetir nenhuma, em resposta à longa recitação eu disse a ele: “cavalo casa” etc. eu queria dizer por que então eu devo agora continuar fazendo assim com os pés, isso que me machuca tanto. Ele disse: “se você não chorar mais, vai ganhar cavalo do pai, mas andar você precisa aprender direito” : Eu comecei a chorar, ele me deitou no chão e com as palavras cavalo e outras, eu dormi finalmente. Como eu acordei de novo, eu disse as palavras. Ele me levantou, me treinou mais longe, e disse “agora você vai receber seu cavalo, mas você precisa aprender bem a andar”. Ele me levou para mais longe durante um tempo, eu sofria ainda e a noite apareceu, e eu me senti todo inconsciente. E quando eu acordei, eu me vi deitado no chão, e fazia claro de novo como antes de chegar a noite, ele me sentou, me deu água, que eu bebi com vontade, depois disso eu me senti bem leve; eu acreditei que a metade das dores haviam acabado. Ele também me deu pão, mas eu comi bem pouco, porque eu não tinha fome, ou talvez por causa das dores eu não conseguia comer, água, que ele me deu mais uma vez, me refrescava de um jeito especial. Então ele me levantou, me levou para mais longe, eu podia andar com bem mais facilidade, eu não tinha tanta necessidade de me apoiar nos braços do homem. O homem me elogiou: “porque você aprendeu bem a andar, vai ganhar daqui a pouco o cavalo”. Eu podia andar sem interrupções algo em torno de 40 a 50 passos, o que não era possível antigamente. Eu comecei a dizer as palavras aprendidas, com as quais eu continuava querendo reclamar do meu cansaço e dores; ele me deitou logo em seguida no chão depois dessas palavras; eu estava muito cansado e sonolento e dormi em seguida. Quando eu acordei, ele me levantou, me pegou pela primeira vez por debaixo de um braço, me treinou e disse de novo as mesmas palavras, até que eu as tivesse aprendido bem e pudesse repeti-las bem claramente. Ele me atormentou por tanto tempo para continuar andando, que eu recomecei a chorar. Ele me deitou no chão e disse: “você deve parar de chorar agora mesmo”, etc., eu estava muito cansado, e dormi logo em seguida. Eu acordei novamente, ele me levantou, me levou para mais longe. Ele me deitou por outras vezes, para me deixar descansar, até que ele trocou as minhas roupas. Ele me sentou no chão, sem que eu tivesse pedido, me tirou as roupas, me colocou outras, com as quais eu cheguei na cidade de Nuremberg. Enquanto ele tirava as roupas e colocava as novas, ele estava atrás de mim, ele ficava por detrás. Depois que eu fui vestido, ele me levantou, quis de novo me levar para longe, mas eu comecei a chorar e dizer as palavras aprendidas: pelo que eu queria dizer que não podia mais andar, eu estou muito cansado, os pés também me doem muito, então o homem disse: “se você não parar de chorar agora mesmo, não vai ganhar cavalo” e assim de repente, mas eu não parei até que ele me deitasse, para que eu pudesse descansar, eu dormi de cansaço. Quando eu acordei eu disse as palavras. O que fez ele me dar água, ela me refrescou tanto que nem posso descrever; ele me levantou completamente e me levou para mais longe, e me dizia sempre as mesmas palavras, até que eu pudesse repeti-las bem claramente. Em seguida ele testou se eu não podia ainda andar sozinho, ele me deixou livre e sozinho e me segurou pela parte de trás da roupa. Mas eu devo ter caído mesmo assim algumas vezes, porque eu não podia manter meus pés atrás, e sentia uma forte dor dos dois lados. Eu comecei a chorar, e disse as palavras aprendidas, querendo dizer que ele não deveria me fazer tão mal assim. Ele me consolou como sempre e me deitou no chão logo em seguida, e eu dormi bem rápido. Quando eu acordei eu disse as mesmas palavras aprendidas, querendo dizer: o que é isso que fica sempre me causando dor nos olhos, e não para nunca de machucar. Ele me levantou e me treinou e disse: “você tem que aprender bem como andar”, e ele começou de novo a dizer palavras: “na grande cidade, tem o seu pai, que vai te dar um cavalo bem bonito, e quando você também for um cavaleiro, eu virei te procurar”. Então eu recomecei a chorar, ele me deitou, e me deixou descansar. Ele me levantou, me levou de novo para mais longe e começou a repetir suas palavras; eu comecei a repetir tudo. Disso ele disse: “aprender isso e não esquecer”, daí ele disse outras palavras, e me deu a carta na mão. “Mostrar onde deve chegar a carta”. “Eu gostaria de me tornar um cavaleiro assim como foi meu pai.” Isso ele me repetia toda hora, até que eu pudesse repeti-las claramente. Eu chorei, ele me deitou e eu dormi de cansaço. Quando eu acordei de novo, ele me deu água de novo, eu bebi, o que estava muito bom, depois ele me levantou, me levou para mais longe, daí ele disse de novo as palavras de sempre, e ao mesmo tempo me deu a carta na mão, e quando vier um guarda, então você deve fazer assim. A partir do momento de onde ele havia me trocado de roupa, ele me deitou de novo no chão com certeza por mais duas vezes, para me deixar descansar, dizendo sempre as mesmas palavras, para com certeza não esquecer nenhuma. Quando o homem me deixou de e me deu a carta na mão, ele disse as palavras mais uma vez, e daí me abandonou.

A PRIMEIRA APARIÇÃO DE HAUSER EM NUREMBERG. DESCRITA POR ELE MESMO.

Eu fiquei de pé no mesmo lugar onde o homem me deixou, até que esse outro homem pegou minha carta e me levou até a casa do senhor capitão. Quando eu cheguei na casa, eu tive por causa de uma forte voz que eu escutei lá, dores muito vivas dentro da cabeça. O empregado doméstico me sentou em uma cadeira e tentou me interrogar, mas eu não podia responder com outras palavras além daquelas que eu tinha aprendido e que eu empregava indiferentemente para mostrar cansaço e dor. Ele me trouxe um prato com carne e um copo com cerveja. O brilho do prato e a cor da cerveja me fizeram chorar, mas só o cheiro me provocou dor. Eu recusei tudo, ele quis me forçar e eu continuei recusando; então ele me trouxe água e um pedacinho de pão, o que eu reconheci imediatamente e peguei com as mãos, comi e bebi. A água estava tão boa e fresca que eu esvaziei três ou quatro copos e me senti bem reconfortado. Depois ele me deitou no estábulo e eu dormi logo em seguida. Quando o senhor capitão entrou na casa, me acordaram, eu vi seu uniforme e seu sabre, eu me espantei e fiquei alegre e quis que eles tivessem que me dar uma coisa assim tão brilhante e bela. Eu disse: “Eu gostaria de me tornar um cavaleiro assim como foi meu pai”, pelo o que eu queria dar a entender que eles deviam me dar aquela coisa assim brilhante e bela. Ele começou a falar e tão alto que aquilo me doeu no corpo todo, eu comecei a chorar e disse essas mesmas palavras, então eles me levaram até a polícia e esse foi o meu caminho mais doloroso. Quando eu cheguei, havia lá muitíssimos homens, e eu me espantei e não sabia o que aquilo poderia ser, daquele jeito, eles falavam o tempo todo e muito alto, aí eles me deram um tabaco de cheirar, que eu tive que introduzir no nariz, aquilo me fez muito mal e eu comecei a chorar, porque eu tive terríveis dores na cabeça. Eles me atormentaram de novo com todo tipo de coisa, que me causavam dores terríveis e eu continuava a chorar. Quando eu já estava há um certo tempo na polícia, um falou de novo tão alto que eu senti mais dor ainda. O mesmo me levou acima de uma elevação ainda maior, era a escada, ele abriu a porta, que fez um barulho estranho e foi só lá que eu pude descansar. Mas eu chorei ainda mais um pouco até que eu dormisse, porque tudo me machucava, mas enfim eu dormi assim mesmo.

Quando eu acordei, eu escutei alguma coisa que me espantou tanto e que eu escutava com tanta atenção, porque no meu estado anterior eu nunca tinha escutado algo assim. Essa atenção, eu não consigo de jeito nenhum descrever. Eu escutava por muito tempo, mas pouco a pouco eu não escutava mais nada e a atenção se perdeu, eu senti dores nos pés. Eu percebi que eu não sentia mais dores nos olhos e por que eu não sentia mais? Porque não era mais de dia, isso que para os meus olhos era o maior alívio. Mas além disso eu sentia dores no corpo todo, particularmente nos pés. Eu me sentei, eu queria pegar minha água para aliviar a sede, que eu sentia; eu não vi mais a água e o pão no lugar eu vi o chão, que tinha uma aparência diferente do meu abrigo antigo. Eu queria olhar ao redor de mim para achar meus cavalos e brincar com eles, mas não tinha mais, sobre o que eu disse: “eu também queria me tornar um cavaleiro, como foi pai” pelo o que eu queria dizer: para onde foram os cavalos a água e o pão. Foi aí que eu percebi o saco de palha, no qual eu estava sentado, que eu observava com bastante surpresa e não sabia o que isso podia ser. Quando eu os observei bastante, eu toquei embaixo com o dedo, eu percebi o mesmo barulho que aquele da palha que eu tinha no meu abrigo antigo, na qual eu tinha o costume de ficar sempre sentado e também de dormir. Eu também vi várias outras coisas que me surpreenderam e que não dá para se descrever. Eu disse: “eu também quero me tornar um cavaleiro como meu pai foi”, pelo o que eu queria dizer: o que é isso aqui e para onde foram os cavalos? Eu escutei o relógio soar de novo; eu escutava por muito tempo; quando eu não escutei mais nada, eu vi o forno, que era da cor verde e emitia um brilho.

A isso eu também disse as palavras de sempre, que o homem me havia ensinado, com o que eu queria dizer: que ele venha me dar uma coisa assim tão bela e brilhante; eu disse isso várias vezes, mas não recebi nada. Eu o olhava por bastante tempo; eu disse mais uma vez as mesmas palavras, pelo o que eu queria dizer ao forno: por que meus cavalos continuam a não aparecer nunca? Eu tinha a opinião de que os cavalos tinham ido embora. Eu também tive o pensamento de que quando os cavalos voltassem eu diria: que eles não deviam mais ir embora, eu queria também dizer isto: eles não deviam deixar o pão ir embora também, senão vocês não terão nada. Falando muito assim eu fiquei com muita sede e como eu não via mais a água, eu me deitei e dormi. Quando eu acordei, eu senti aquelas mesmas dores nos olhos, daquelas que eu senti no caminho da cidade, pois quando eu acordei, era dia, e porque a claridade do dia me dava muita dor. Eu comecei a chorar e disse: “eu quero me tornar um cavaleiro como pai é. Mostre aí onde endereço carta”, pelo o que eu queria dizer: por que isso me dói tanto os olhos? Tirem isso que me causa tanta dor nos olhos, me dêem agora mesmo os cavalos e parem de me atormentar, eu escutei a mesma coisa que eu tinha escutado da primeira vez mas eu ainda achei mesmo assim que era outra coisa porque eu escutava mais alto; não era portanto mais a mesma coisa, mas no momento em que ele soava a hora, tocavam os sinos. Esses eu ouvia por muito tempo, mas pouco a pouco eu escutava cada vez menos e como minha atenção tinha acabado, eu disse essas palavras: “mostrar onde endereço carta”, pelo o que eu queria dizer que eles deveriam me dar uma coisa assim tão bonita e parar de sempre me atormentar assim. Eu fiquei deitado por um longo tempo; o homem não me levantou mais, eu me sento, eu percebi que estava no mesmo lugar; aí eu pensei o seguinte logo em seguida: que eu não sentia mais as dores nos olhos e eu escutava também a mesma coisa. Enfim eu me levantei; eu me chateei imediatamente; pois meus pés estavam doendo terrivelmente. Eu voltei a chorar e disse as palavras aprendidas; pelo o que eu queria dizer: por que então os cavalos continuam não vindo e ainda me deixam sofrer assim? Eu chorei por muito tempo e o homem não aparecia mais. Eu dizia as palavras, eu queria dizer: por que então agora eu não devo mais aprender a andar. Eu escutei soar o relógio, aquilo me trás metade das dores, sobre o que o pensamento que em breve os cavalos voltariam me consolou.

E durante esse tempo, quando eu escutava, um homem se aproximou de mim e me perguntou todo tipo de coisas, eu talvez não lhe dava respostas porque minha atenção estava dirigida naquilo que eu escutava. Ele me pegou pelo queixo, me levantou o rosto, com o que eu senti uma dor terrível nos olhos por causa da claridade do dia. Sobre o homem eu vou falar agora, ele estava fechado comigo, sobre o que eu não sabia, que eu estava trancado. Ele começou a falar, eu escutava por bastante tempo, e escutava sempre outras palavras, então eu disse as minhas aprendidas: “mostre aí onde endereço carta” – “que quero me tornar um cavaleiro, como pai é”, pelo o que eu queria dizer: que então era isso que me fez doer os olhos quando você me levantou a cabeça. Mas ele não me entendeu, o que eu tinha dito, com certeza ele entendeu o que as palavras queriam dizer, mas não aquilo que eu quis. Ele largou minha cabeça, se sentou ao meu lado e continuou me questionando; apesar disso o relógio começou a soar; eu levei minha atenção para o que eu escutava naquele instante e eu devia ouvir o homem por muito tempo; ele me pegou pelo queixo, virou minha face para ele, e deve ter me perguntado o que eu escutei assim, mas eu não entendia, o que ele disse; eu lhe disse: “eu quero me tornar uma cavaleiro” etc. pelo o que eu queria dizer que ele devia me dar uma coisa tão bonita, mas ele não me entendeu, aquilo que eu queria, ele continuava sempre a falar; eu comecei a chorar e disse: “cavalo casa”, pelo o que eu queria dizer, que ele não devia continuar me atormentando com palavras, tudo me machucava. Eu chorei por muito tempo; eu sentia grandes dores nos olhos, a ponto de não poder chorar mais. Eu fiquei sentado sozinho por muito tempo. Então eu escutei outra coisa, que eu escutava com tanta atenção que eu nem posso dizer. O que eu escutava era o trompete imperial, mas eu não o escutei por muito tempo, e quando eu não escutei mais nada, eu disse: “cavalo casa”, que deviam também me dar algo tão bonito. Então o homem veio até mim e disse várias vezes bem lentamente as suas palavras, eu repetia depois dele; ele disse: “você não sabe o que é isso?”, que lhe disse mais vezes essas palavras, pelo o que eu queria dizer: que eles deviam me dar bem rápido os cavalos e não querer mais me atormentar assim. O homem tomou nessa hora a caneca de água que estava debaixo de mim, mas eu estendi meu braço até ele e disse: “cavalo casa”. O homem me deu logo em seguida a caneca, me deixou beber; quando eu bebi a água, me senti tão leve que fica difícil de descrever. Eu exigia dele os cavalos e disse: “cavalo casa”, e ele disse várias vezes: eu não sei o que é isso que você quer, eu também disse de novo as palavras, mas eu já não podia mais repetir de forma clara, e disse “eu não sei” e com o cavalo em casa eu queria dizer, que ele devia também me dar meus cavalos. Ele não me entendeu, isso que eu quis, e se levantou, foi até o seu canto de descanso e me deixou assim sozinho. Nesse momento o relógio começou a tocar, o que me alegrou infinitamente, tanto que eu esqueci das minhas dores, e sentia saudades do meu abrigo antigo. Agora veio o guarda da prisão Hiltel, ele trouxe a água e o pão, o que eu reconheci na mesma hora e lhe disse: “eu quero me tornar um cavaleiro, como pai é”, pelo o que eu dizia ao pão: agora, você não pode mais partir e nem mais me deixar atormentado assim.

Ele colocou o pão ao meu lado; eu o peguei imediatamente com as mãos; ele colocou água na caneca; colocou no chão. Então ele começou a me questionar. Ele me questionou com uma voz tão rápida, que ele me causou muita dor na cabeça, eu chorei e disse: “eu também gostaria de me tornar um cavaleiro, como pai é”, “mostrar casa”, “eu não sei”, “na cidade grande, lá está seu pai”. Essas palavras eu dizia sem distinção para exigir aquilo que eu queria. O guarda da prisão foi embora, porque não me entendeu, ele entendia bem as palavras, o que elas queriam dizer, mas não o que eu disse com elas e eu não o entendi também, o que ele me disse. Eu comi meu pão, quando eu o levei à boca ele não estava tão duro quanto o outro que eu tinha no meu abrigo antigo. Eu o vi e considerei que era um pão, mas não tinha o mesmo gosto e dureza. Eu comi mesmo assim, porque eu estava com fome, eu o tive por alguns minutos no estômago e comecei a sentir dores fortes pelo corpo, eu comecei a chorar e disse: “mostrar casa”, pelo o que eu queria dizer que não deveriam me fazer tão mal assim e deveriam me levar para lá onde estavam os meus cavalos. Então eu ouvi de novo o trompete imperial; eu escutei e me alegrei bastante porque minha esperança estava que quando os cavalos chegassem eu contaria para eles o que eu tinha escutado. Eu escutei por bastante tempo, eu não ouvi mais nada. Então chegou novamente o guarda da prisão, trouxe com ele um pedacinho de papel e um lápis. Isso eu não reconheci imediatamente, com o que eu me alegrei enormemente que eu não posso descrever, porque eu pensava: vou ganhar meus cavalos. Ele me deu o papel e o lápis na mão e eu escrevi o que o homem tinha me ensinado, e era o meu nome que eu nem sabia que tinha escrito. Quando eu terminei de escrever eu disse: “eu gostaria de me tornar um cavaleiro, como pai foi”, com o que eu dizia: que eles deviam me dar os cavalos agora. Ele disse alguma coisa com uma voz alta que eu não entendi e pegou o papel e foi embora.

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Considero válido postar aqui uma breve passagem da primeira autobiografia (muito parecida com esta, mas com uma linguagem menos desenvolvida) na qual podemos ver de maneira notável o reconhecimento da alteridade e a criação de vínculo/ altruísmo de Kaspar com os cavalos de madeira. Fica claro, ainda, que Kaspar não estava em estado de identificação com o meio.

Isso era o que eu fazia primeiro, beber água, depois comer um pouco de pão; até ficar satisfeito, depois dar pão e água aos cavalos e ao cachorro: depois eu bebia tudo”.



[1] Tenho dúvidas na tradução da palavra “saucer”, apresentada no dicionário como “passar o pão em molho” – acredito que Kaspar se referia ao fato do homem estar se molhando. Não tenho conhecimento de outra significação para a palavra.